Por Thais Romero Veiga Shingai e Daniel Franco Clarke
A Medida Provisória nº 1.148/2022 prorrogou a possibilidade de consolidação da parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior, equivalente aos lucros por ela auferidos, pela controladora brasileira, até o ano-calendário de 2024.
Também renovou a possibilidade de uso do crédito presumido de 9% sobre o resultado da controlada no exterior para as atividades das indústrias em geral.
Foram importantes medidas que sinalizaram como o Brasil tem adotado passos práticos visando a sua acessão à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), cujos países membros praticam alíquota do IRPJ inferior aos 34% cobrados no Brasil.
Apesar da importância dessas medidas, outro aspecto relacionado ao regime de tributação em bases universais das pessoas jurídicas merece atenção.
Desde 2015, a tributação de lucros auferidos no exterior por controladas e coligadas de pessoas jurídicas brasileiras é regida pela Lei nº 12.973/2014, cuja aplicação é regulada na Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.520/2014.
Explicitando as regras de tributação em bases universais, o artigo 76 daquela lei dispõe que a pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil deverá registrar em subcontas da conta de investimentos em controlada direta no exterior, de forma individualizada, o resultado contábil da variação do valor do investimento equivalente aos lucros ou prejuízos auferidos pela sociedade estrangeira, relativo ao ano-calendário em que foram apurados em balanço, observada a proporção de sua participação em cada controlada.
Tratando especificamente das controladoras, o artigo 77 da lei determina que tal ajuste no valor do investimento em controlada domiciliada no exterior deve considerar os lucros auferidos antes do imposto sobre a renda, e que este, excetuado da variação cambial, deverá ser computado na determinação do Lucro Real e na base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil.
Como sabido, ainda que a lei utilize a expressão “parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos”, ela nada mais significa que os lucros das sociedades estrangeiras.
Assim, atualmente, os lucros das controladas no exterior são tributados automaticamente junto à controladora no Brasil, na proporção da sua participação societária.
Sendo assim, os resultados positivos auferidos pela controlada no exterior devem ser computados para fins de determinação do Lucro Real no Brasil, e devem ser apurados segundo as normas da legislação comercial do país de domicílio da controlada.
Com a recente inovação legislativa, até o ano-calendário de 2024, essas parcelas do ajuste do valor do investimento em controlada poderão ser consideradas de forma consolidada na determinação do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL da controladora no Brasil, contanto que haja observância às restrições impostas pelo artigo 11 da IN RFB nº 1.520/2014.
Não havendo consolidação, a IN RFB nº 1.520 determina que a parcela do ajuste do valor do investimento em controlada domiciliada no exterior equivalente aos lucros ou prejuízos por ela auferidos deverá ser considerada de forma individualizada na determinação do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil, nas seguintes formas:
1) se a parcela for positiva, deverá ser adicionada ao lucro líquido relativo ao balanço de 31 de dezembro do ano-calendário em que os lucros tenham sido apurados pela empresa domiciliada no exterior; e
2) se a parcela for negativa, poderá ser compensada, exclusivamente, com lucros futuros da mesma pessoa jurídica no exterior que lhes deu origem, desde que os estoques de prejuízos sejam informados no Demonstrativo de Prejuízos Acumulados da ECF.
Queremos trazer à reflexão, neste artigo, um aspecto específico vinculado não à apuração dos lucros propriamente, mas à apuração e posterior utilização dos prejuízos apurados no exterior.
Tal análise parte da premissa da constitucionalidade e legalidade da tributação dos lucros auferidos pela controladora brasileira em relação às controladas estrangeiras.
Como visto acima, os prejuízos das controladas estrangeiras podem ser estocados na pessoa jurídica brasileira, para compensação futura com os lucros que vierem a ser auferidos por aquela entidade e aqui oferecidos à tributação. Essa possibilidade já existia, inclusive, na legislação que regia a matéria anteriormente, notadamente o artigo 4º da IN SRF nº 213/2002.
Discute-se, nesse contexto, em qual momento o prejuízo apurado no exterior deve ser convertido em Reais. Tal fato pode apresentar grande relevância, sobretudo à luz da volatilidade cambial.
Vejamos a redação do artigo 25 da Lei nº 9.249/1995 e do artigo 6º, §3º, da IN SRF nº 213/2012, que regulavam o tema até 2015:
“Lei nº 9.249/1995
Artigo 25. (…)
§2º Os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
§4º Os lucros a que se referem os §§2º e 3º serão convertidos em Reais pela taxa de câmbio, para venda, do dia das demonstrações financeiras em que tenham sido apurados os lucros (…).
IN SRF nº 213/2012
Artigo 6º. (…)
§3º A conversão em Reais dos valores das demonstrações financeiras elaboradas pelas filiais, sucursais, controladas ou coligadas, no exterior, será efetuada tomando-se por base a taxa de câmbio (…) na data do encerramento do período de apuração relativo à demonstrações financeiras em que tenham sido apurados os lucros (…).”
A questão que se põe é: no período de vigência de tais normas, o prejuízo apurado pela controlada estrangeira deve ser convertido para Reais no período em que foi apurado, ou apenas no período em que houver lucro nela e este lucro venha a ser compensado com o prejuízo acumulado (sendo mantido em moeda estrangeira até essa data)?
Em setembro de 2021, a 1ª Turma da CSRF entendeu que deve ser utilizada a taxa cambial de venda, do dia das demonstrações financeiras em que o lucro da controlada estrangeira tenha sido apurado (Acórdão nº 9101-005.746). Ou seja, concluiu pela impossibilidade conversão para Reais, no próprio ano de sua apuração, de prejuízos apurados no exterior.
Entendeu, naquele contexto, que a legislação brasileira teria considerado com objeto de relevância jurídica as demonstrações financeiras em que tenham sido apurados lucros pelas controladas estrangeiras, e não quando quaisquer resultados (como os negativos) tenham sido apurados.
A CSRF apreciou novamente o tema em meados de 2022, ao julgar improcedente, por maioria de votos, o Recurso Especial da PGFN (Acórdão nº 9101-006.236).
Na turma ordinária, o contribuinte obteve vitória quanto à forma de apuração e aproveitamento do prejuízo compensável da sociedade estrangeira, no tocante à conversão dos prejuízos fiscais pelo câmbio da data da sua apuração.
Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que a ausência de previsão expressa da forma de conversão dos prejuízos fiscais apurados no exterior não significa que seu regime deve ser diverso daquele aplicado aos lucros.
É dizer: se há um critério determinado para a conversão de lucros do exterior, não parece haver motivo razoável para que outro seja aplicado para a conversão dos prejuízos, considerando que ambos representam espécie do gênero resultados do exterior.
Na CSRF vingou o mesmo entendimento, em privilégio da neutralidade na apuração do lucro tributável no Brasil, da variação cambial dos investimentos mantidos no exterior. Decidiu-se, portanto, que não só os lucros, mas também os prejuízos apurados no exterior, devem ser convertidos em reais pela taxa de câmbio do dia das demonstrações financeiras em que tenha ocorrido a sua apuração.
Concordamos com essa posição da Câmara Superior: a regra aplicada deve ser a de conversão em reais pela taxa de câmbio do dia das demonstrações financeiras em que tenha ocorrido a apuração – o que é válido tanto na conversão de prejuízos posteriormente compensáveis, como na apuração de lucros tributáveis. É a regra que asseguraria maior previsibilidade aos contribuintes e que mais se aproxima da lógica de estabilização dos valores no momento de sua apuração no âmbito dos investimentos mantidos no exterior.
Não se trata de alterar o resultado contábil da entidade estrangeira, porque os lucros ou prejuízos lá apurados o serão conforme a lei comercial do país em que ela está estabelecida. Trata-se de efetivamente permitir que, quando a controlada apurar prejuízo no exterior, esse valor seja registrado no Brasil de acordo com a taxa de câmbio aplicável com base naquele período. Posteriormente, quando essa controlada apurar lucros, a legislação permite que somente seja tributada no Brasil a diferença entre os lucros e os prejuízos da mesma entidade (saldo líquido).
Assim, o prejuízo apurado deve ser trazido e estocado no Brasil naquela data com a taxa de câmbio daquele ano, de modo que quando for calculado o saldo líquido para a tributação em períodos subsequentes, o contribuinte local já saiba, de antemão, o valor que terá a deduzir dos lucros apurados pela sua controlada.
Enquanto a legislação não for alterada de modo a trazer essa clareza, é possível que as autoridades fiscais sigam autuando contribuintes que adotem o entendimento aqui defendido. Resta-nos saber se, com as recentes alterações na composição do Carf e das regras de julgamento, as empresas seguirão vitoriosas nessa tese.
Thais Romero Veiga Shingai é especialista em gestão tributária pela Fipecafi. Advogada da área tributária de Mannrich e Vasconcelos Advogados.
Daniel Franco Clarke é advogado em Mannrich e Vasconcelos Advogados e pós-graduado em Direito Societário pelo Insper.
ConJur – Shingai e Clarke: Prejuízos fiscais apurados no exterior