Por: Leandro Ibagy
O IGP-M, Índice Geral de Preços – Mercado é divulgado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas. O indexador é composto de uma cesta básica de três outros índices e com fatores diferentes de peso em sua projeção.
O IPA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) que carrega 60%, o IPC (Índice de Preço ao Consumidor), com 30% de participação e finalmente o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), que contribui com 10% na formação do IGP-M.
A explicação acima é apenas pedagógica para demonstrar a sua origem e fatores de pesquisa.
O fato é que o IGP-M foi adotado nacionalmente pelo mercado de locação de imóveis há mais de um quarto de século.
Foi no final dos anos 90, que o segmento passou a inserir em seus contratos que a correção dos aluguéis dar-se-ia pela variação acumulada do IGP-M. É provável que a escolha tenha sido pensada, com base no seu desempenho e na melhor forma de proteção do valor nominal diante da corrosão inflacionária.
O mesmo IGP-M, que meses atrás, deslocou-se agudamente da inflação medida por outros indexadores, agoniza agora com sucessivos meses de deflação.
Com efeito apresenta uma variação negativa de 2,17% no período compreendido entre maio/22 e abril/23.
E a pergunta do momento é: “tendo o indexador variado negativamente nos últimos 12 meses, o preço do aluguel deverá ser deflacionado”
Em nossa opinião, a resposta é pela impossibilidade da deflação.
E o fundamento não deriva da existência de cláusula contratual onde se aplica apenas a variação positiva do IGP-M, como sói acontecer na maioria dos contratos de locação no país.
Também, não pelo princípio da reciprocidade, onde meses atrás o locador aceitou reajustar o aluguel aquém da integralidade do IGP-M, menos ainda em observância as condições de mercado, extremamente aquecido na área residencial.
Estes aspectos contratuais, da relação entre as partes e do mercado, são muito importantes, mas, a resposta pela inaplicabilidade da deflação diagnosticada pelo IGP-M, brota de inúmeros julgados da maior Corte Infraconstitucional no Brasil, ou seja, do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A Corte Especial tratou de equacionar o tema ao admitir que as variações negativas do IGP-M ou de qualquer outro indexador, havidas no intervalo projetado para a correção da obrigação, devem ser computadas, contudo, não ao ponto de engendrarem uma redução no valor nominal da obrigação.
Neste passo, quando os cálculos impuserem um valor negativo, devemos manter o valor nominal do contrato, ou seja, do valor até então dispendido pelo locatário.
Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E ECONÔMICO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUE DETERMINOU CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IGP-M. ÍNDICES DE DEFLAÇÃO. APLICABILIDADE, PRESERVANDO-SE O VALOR NOMINAL DA OBRIGAÇÃO.
- A correção monetária nada mais é do que um mecanismo de manutenção do poder aquisitivo da moeda, não devendo representar, consequentemente, por si só, nem um plus nem um minus em sua substância.
- Corrigir o valor nominal da obrigação representa, portanto, manter, no tempo, o seu poder de compra original, alterado pelas oscilações inflacionárias positivas e negativas ocorridas no período.
- Atualizar a obrigação levando em conta apenas oscilações positivas importaria distorcer a realidade econômica produzindo um resultado que não representa a simples manutenção do primitivo poder aquisitivo, mas um indevido acréscimo no valor real.
- Nessa linha, estabelece o Manual de Orientação de Procedimento de Cálculos aprovado pelo Conselho da Justiça Federal que, não havendo decisão judicial em contrário, ‘os índices negativos de correção monetária (deflação) serão considerados no cálculo de atualização”, com a ressalva de que, se, no cálculo final, ‘a atualização implicar redução do principal, deve prevalecer o valor nominal’. 2.Recurso especial provido. (REsp 1265580/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/03/2012, DJe 18/04/2012)(grifo no original)
A decisão em destaque, da Corte Especial, projetou sob a batuta do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, a tese do Tema Repetitivo 678 do STJ que se assentou, sob a seguinte ementa, publicada em 27/06/2014:
Aplicam-se os índices de deflação na correção monetária de crédito oriundo de título executivo judicial, preservado o seu valor nominal.
Na mesma linha, extraímos do ARESP 942397 sob a relatoria do Ministro Humberto Martins, publicado em 16/08/2016 o seguinte ensinamento:
Ocorre que, de acordo com o entendimento já consolidado pelo e. Superior Tribunal de Justiça, os índices negativos de correção monetária (deflação) apurados no curso do período a ser corrigido devem ser considerados no cálculo de atualização do montante da execução;
todavia, no caso de o cálculo final implicar na redução do principal, mediante a aplicação dos índices negativos, deve prevalecer o valor nominal, em respeito ao principio da irredutibilidade de vencimentos
.
De maneira mais específica a versar claramente sobre aluguel/IGP-M e deflação contundente, trazemos a irresignação e o posicionamento adotado no EDCL na DESIS no RESP 1608991, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 08/11/2018, nos seguintes termos:
Questionamento:
i)art. 125, I, do CPC/73, pois o valor do aluguel deveria ter sido ajustado para baixo, eis que apontada deflação de (-)0,3915% pelo IGP-M, devendo o aluguel ter sido corrigido de R$634,30 para R$63,82 por mês, sendo devida a restituição ao locatário dos valores pagos a mais
Posicionamento do STJ:
10) No que pertine à minoração do valor do aluguel em face da deflação constatada pelo IGP-M de 0,3915% – art. 125, I, do CPC/73 (item i do relatório), o entendimento pacífico do STJ, firmado perante a Corte Especial, é no sentido os índices negativos de inflação, conhecidos como deflação, devem ser considerados no cálculo relativo ao reajuste do aluguel (assim como outras hipóteses), sendo que, em havendo redução no cálculo final, será mantido o valor nominal do contrato.
A matéria está pacificada e outros julgados mais recentes demonstram inequivocamente a remansosa orientação jurisprudencial: RESP 1901149 Rel. Ministro Og Fernandes, 17/11/2020; RESP 1935768, Rel. Ministro Raul Araújo, 02/06/2021; ARESP 1878.331 Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 18/04/2022.
Assim, diante de exaustivos julgados do Superior Tribunal de Justiça e da existência de Tema Repetitivo 678 STJ, ousamos apregoar que os aluguéis, bem como outras obrigações que tenham como indexador o IGP-M, permaneçam com os seus valores íntegros, sem a necessidade de serem deflacionados.
Por certo que a opinião nasce do mundo jurídico, mas, nada excludente e sempre recomendável que o valor da locação brote dos parâmetros de mercado.
Neste viés, oportuno asseverar que as partes exercitem a negociação com base no bom senso e no diálogo, com o foco na preservação de uma relação equilibrada, harmoniosa, duradoura e mercadológica.
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/387554/o-igpm-a-deflacao-e-a-locacao