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Novas restrições ao uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa na transação.

Por Jussandra Hickmann Andraschko (*)

A transação tributária federal vem se consolidando como um importante e eficiente instrumento de redução da litigiosidade e de arrecadação, e, em decorrência disso, está em constante aprimoramento.

Uma das principais e mais esperadas alterações introduzidas na lei da transação ocorreu em meados de 2022, quando da publicação da lei 14.375/22, que incluiu o inciso IV, ao art. 11, da lei 13.988/20, permitindo para as Transações individuais, a utilização de créditos de Prejuízo Fiscal – PF e de Base de Cálculo Negativa – BCN da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e da CSLL, até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos.

A legislação inclusive permitiu o uso de créditos de PF e BCN de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à Secretaria Especial da Receita Federal, independentemente do ramo de atividade, no período previsto pela legislação tributária.

Oportuno destacar que a teor do §1º, do art. 11, da lei 13.988/20, o deferimento do uso de tais créditos é medida discricionária a ser adotada em caráter excepcional, quando demonstrada a imprescindibilidade para composição do plano de pagamento.

Isto é, a única condição legal para o uso do PF e BCN é de que este somente será utilizado quando verificado que os descontos máximos e dilação do prazo não serão suficientes para equalização de todo o passivo fiscal transacionado.

E de fato, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN passou a permitir a aplicação deste meio de pagamento historicamente reconhecido pela política tributária como apto para amortização dos débitos tributários.

Como noticiado, a maioria dos acordos prevê o uso de PF e BCN1.

Entretanto, recentemente, sem qualquer alteração na lei 13.988/20 e/ou na Portaria PGFN 6.757/23, a PGFN passou a condicionar o uso de PF e BCN à permanência do contribuinte no regime de apuração do Lucro Real durante todo o período de cumprimento do plano de pagamento transacionado, e a estar em atividade no momento do deferimento.

Ou seja, empresas inativas, cujos débitos são irrecuperáveis justamente pela ausência de faturamento, não podem utilizar seus saldos de PF e BCN.

Melhor dizendo, o devedor que mais necessita de tais créditos, ante a irrecuperabilidade do seu passivo, está impedido de aproveitá-lo.

O mais curioso é que a negativa da PGFN se dá sem qualquer fundamentação jurídica. Isto é: não há motivação na decisão administrativa, situação que dificulta, inclusive, as razões recursais. Mas afinal, qual será o argumento para o indeferimento às empresas inativas?

O fato é curioso e desafiou o presente artigo porque a administração tributária federal reconheceu em diversas oportunidades a utilização de PF e BCN como forma de abatimento de débitos federais em programas especiais de parcelamento, como no Programa de Recuperação Fiscal da lei 9.964/00; no Refis da Crise (lei 11.941/09); no Parcelamento instituído pela lei 12.865/23; no Programa de Redução de Litígios Tributários da lei 13.202/15; no Pert (lei 13.496/17); e no Programa de Quitações Antecipadas das Transações, denominado Quita PGFN, fundado na Portaria PGFN 8.798/22.

Em tais programas, jamais se condicionou o uso do PF e BCN ao contribuinte estar e/ou permanecer em atividade. E a utilização destes sempre foi extremamente vantajoso para o devedor, visto que: (i) acelerou a quitação da dívida; (ii)estancou a sua atualização pela taxa Selic; e (iii) deu liquidez imediata aos créditos de PF e BCN acumulados pelos contribuintes ao longo dos anos.

Ainda que se argumente que PF não seria crédito de titularidade do devedor, e sim mero ajuste contábil para diferimento do Imposto de Renda, é importante compreender o motivo pelo qual este instituto contábil e tributário certamente compôs o plano de pagamento de tantos outros programas especiais de parcelamento, sem condicionante, e deve, de igual forma, ser utilizado nas transações individuais.

Pois bem. Visando facilitar a compreensão, é necessário destacar que o PF é a demonstração de um resultado negativo da contabilidade fiscal da empresa, obtido através do ajuste fiscal do lucro real em determinado exercício.

Isto porque, a hipótese de incidência do Imposto de Renda é o resultado das receitas menos as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora, calculado durante o período de um ano. Se ao final deste vier a ser identificado um lucro real negativo, haverá PF, isentando a empresa do pagamento do IRPJ e CSLL em razão do saldo negativo de apuração de tais tributos. E o PF pode ser compensado com lucros positivos de exercícios futuros da empresa, a ser considerado no cálculo de IRPJ/CSLL.

Entretanto, as leis 8.981/95 e 9.065/95 limitaram a compensação de PF e BCN anteriores, com lucros auferidos em anos subsequentes, restringindo-a a uma redução de no máximo 30% do lucro tributável, a chamada “trava dos 30”, cujo objetivo fiscal era de manutenção de um fluxo contínuo de arrecadação tanto do Imposto da Renda quanto da contribuição social sobre o lucro.2

Mas como bem leciona o Professor Humberto Ávila, “a finalidade das referidas leis foi sempre de alongar o período de compensação, nunca – e isto é decisivo – a de anular o direito à compensação.”3

A dinâmica de compensação introduzida a partir de 1995 pressupõe a continuidade das operações do contribuinte, de modo a viabilizar a realocação do prejuízo não abatido no momento em períodos posteriores, de forma que não haja supressão de parcela do resultado negativo compensável.

Todavia, para aqueles que suspenderam a atividade operacional, as limitações impostas pelas lei 8.981/95 e 9.065/95 configuraram tributação sobre o patrimônio ou capital, e não sobre o lucro ou renda, tendo sido, portanto, adulterado o conceito constitucional de renda.

Ou seja, além de suportar, por anos, o resultado negativo, o contribuinte se viu forçado a recolher tributação que não correspondeu à sua renda, ou ao seu lucro.

E certamente tais razões contribuíram para o inadimplemento das obrigações tributárias, motivo pelo qual é imperioso que se permita agora o uso do resultado negativo compensável, outrora cerceado.

Trata-se de saldo compensável imprescritível, do qual o contribuinte foi impedido de utilizá-lo na integralidade quando de sua atividade, tendo sido, à época, compelido a desembolsar antecipadamente o recolhimento de tributo, cuja expectativa futura de recuperação com PF e BCN não se concretizou, provocando, inclusive, o seu inadimplemento.

Ora, se o contribuinte possui o direito de exercer a compensação sem limitação temporal, é razoável conjecturar que inexiste momento mais oportuno de usá-lo que para quitar seus débitos fiscais, mormente porque, repita-se, parte deles se deu pela indevida limitação da trava dos 30.

Há que se perquirir a efetiva redução da litigiosidade, e se, para tanto, mostra-se indispensável a combinação de todos os benefícios previstos na lei da Transação, é de rigor que se afaste condicionantes não impostas pelo legislador.

O uso do PF e BCN como crédito nas transações é decisão acertada para redução do estoque da dívida ativa.

Importante lembrar, outrossim, de se dar o correto tratamento àqueles que de fato necessitam dos benefícios para equalização do passivo, como é o caso das empresas inativas, porque o sucesso do instituto da transação não reside na quantidade de acordos celebrados, mas nos acordos efetivamente cumpridos.

Fonte: valor.globo.com

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