A operação Loki marca um ponto de virada na fiscalização do ITCMD em São Paulo e no Brasil, refletindo uma estratégia mais agressiva e tecnológica para arrecadação do imposto.
Nos últimos meses, milhares de contribuintes no estado de São Paulo começaram a receber notificações da Sefaz/SP – Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo por suposta falta de pagamento do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.
Estas notificações fazem parte da operação Loki, uma iniciativa inédita do governo para fiscalizar possíveis irregularidades na transmissão de patrimônio por meio de um cruzamento de dados com a Junta Comercial e a Receita Federal.
Tradicionalmente, o Estado paulista inaugura novas maneiras de fiscalizar e tributar, portanto, fatalmente isso deve ser replicado em diversos Estados em algum tempo. Vamos entende um pouco mais o tema.
Convite à autorregularização
As notificações enviadas pela Sefaz/SP são, pelo menos em sua exposição, convites à autorregularização, não constituindo ainda uma autuação formal ou o início de uma ação fiscal.
Em suma, os contribuintes notificados são aqueles que, segundo a Sefaz/SP, teriam realizado planejamentos sucessórios irregulares, simulando a venda de cotas ou ações de empresas para transmitir heranças de forma disfarçada, evitando assim o pagamento adequado do ITCMD.
Em um exemplo prático, são aqueles planejamentos em que uma empresa, nesse caso, um holding, adquiri (às vezes com dinheiro doado), outra empresa pelo valor de R$10 mil, mas que, na verdade, guarda INDIRETAMENTE, um patrimônio de 10 milhões.
Aos olhos da Fazenda (e talvez no seu também), isso seria uma maneira ardilosa de dissimular e esconder uma doação de cotas. O que chamamos de dissimulação ou elisão fiscal abusiva, podendo significar a desconsideração da operação e a cobrança do imposto cheio, com penalidades, claro.
Nos comunicados, a Fazenda paulista alberga ter encontrado “indícios” de que as transmissões de cotas não ocorreram entre partes independentes, podendo configurar doação sujeita ao ITCMD.
Inicialmente, as notificações estão focadas em operações realizadas em 2020, mas a fiscalização deverá se estender para os anos subsequentes até o final de 2026.
Fiscalização mais agressiva e sofisticada
Evidentemente, a ação destaca que o governo e Estados tem adotado uma postura mais agressiva e sofisticada na fiscalização do ITCMD, especialmente após a criação de uma delegacia especializada no imposto no ano passado.
A operação Loki, apesar de se auto justificar de maneira diversa, tem um claro objetivo arrecadatório, mirando especialmente as holdings familiares utilizadas para transferir patrimônio entre pais e filhos por meio de vendas de participação societária, o que, a priori, é uma prática permitida pela legislação (desde que realizada com bom senso).
Em razão dessas e outras ações, em 2023, o governo de São Paulo registrou uma arrecadação recorde com o ITCMD, alcançando R$ 4,4 bilhões, um aumento de 16% em relação a 2022.
Este valor foi 45% superior à média da última década, que foi de R$ 3 bilhões. Apenas entre janeiro e maio deste ano, o ITCMD já trouxe R$ 1,5 bilhão para os cofres públicos, representando menos de 2% da arrecadação total do estado.
Implicações da operação Loki
Para a Sefaz/SP, a venda de cotas para herdeiros não pode ocorrer por um valor inferior ao patrimônio líquido ou patrimonial da holding. Em casos onde isso acontece, a Secretaria entende que há uma simulação do negócio jurídico, configurando uma doação disfarçada de contrato de compra e venda.
A consequência dessa prática, como falamos acima, pode ser um auto de infração com multa de 100%, além de uma possível representação fiscal para fins penais por crime contra a ordem tributária.
Em um vídeo institucional sobre a operação Loki, disponível no youtube, o auditor fiscal da Receita Estadual, Jefferson Valentin, explica que a venda de cotas por um valor abaixo do mercado, especialmente para herdeiros, é um forte indicativo de irregularidade e, segundo ele, a comprovação de pagamento adequado pelas participações societárias é fundamental para evitar a caracterização de simulação.
Conclusão
A operação Loki marca um ponto de virada na fiscalização do ITCMD em São Paulo e no Brasil, refletindo uma estratégia mais agressiva e tecnológica para arrecadação do imposto.
Por evidência, àqueles que desejam realizar, ou já realizaram, trabalhos de planejamento patrimonial e sucessório, sugiro bom senso. Não é explicável que um patrimônio de 10 milhões seja doado por 10 mil, isso claramente é abuso aos olhos de quem souber, incluindo-se, claro, o fisco.
Para os empreendedores e investidores, é crucial estar atento às práticas de planejamento sucessório e às exigências da legislação tributária para evitar penalidades.
A autorregularização, conforme sugerido pela Sefaz/SP, pode ser uma medida preventiva eficaz para evitar autuações futuras e assegurar a conformidade com as obrigações fiscais.
(*) Lucas Parreira é Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.
Fonte: migalhas.com.br