O recém-aprovado Rerct trouxe uma série de inovações ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, ampliando significativamente o escopo e a abrangência de bens e ativos que podem ser regularizados.
No entanto, ao mesmo tempo que oferece uma oportunidade única para que contribuintes regularizem sua situação fiscal, o novo regime não impõe restrições à adesão de agentes públicos e seus parentes, o que levanta importantes questões jurídicas e éticas. O debate gira em torno de dois princípios constitucionais: a isonomia tributária e a moralidade administrativa.
Uma das mudanças mais marcantes em comparação ao regime original de 2016 é a sua ampla abrangência. No Rerct de 2016, os contribuintes podiam regularizar apenas bens e recursos mantidos no exterior que não haviam sido declarados ou foram declarados incorretamente.
O novo regime, no entanto, expande esse alcance para permitir a regularização de bens localizados no Brasil, o que amplia consideravelmente o número de contribuintes que podem se beneficiar dessa oportunidade.
Além disso, o Rerct atual também inclui um rol mais amplo de bens regularizáveis.
Enquanto a lei de 2016 se limitava a ativos financeiros, como depósitos bancários, imóveis e participações societárias, a nova lei permite a regularização de ativos intangíveis, como marcas, copyrights, software e patentes, e bens tangíveis como veículos, aeronaves e embarcações.
Essa abrangência maior reflete uma evolução do mercado e das estruturas patrimoniais dos contribuintes, além de incluir também movimentações financeiras, mesmo que os bens não estejam mais sob titularidade direta do contribuinte.
Regularização de criptoativos
A expansão no rol de ativos que podem ser regularizados também abrange, em nosso ponto de vista, os criptoativos, que ganhou relevância nos últimos anos, sendo inestimável o valor desses ativos de propriedade de contribuintes brasileiros não declarados ou declarados de forma incorreta e que escapam aos sistemas de cruzamento de informações tradicionais como Fatca e CRS.
Embora o texto da lei não mencione expressamente os criptoativos, entendemos que estes podem ser enquadradas como ativos intangíveis, permitindo sua regularização patrimonial e tributária de forma semelhante aos demais bens contemplados.
Outro ponto interessante é que no Rerct de 2016 a legislação impôs uma restrição clara à adesão de agentes públicos, políticos e seus parentes até o segundo grau.
Essa vedação foi justificada pela necessidade de preservar a moralidade administrativa e evitar que ocupantes de cargos públicos, especialmente aqueles com acesso a informações privilegiadas, se beneficiassem do regime de regularização. A exclusão de agentes públicos também buscava mitigar conflitos de interesse e garantir que o regime fosse utilizado de forma transparente.
A vedação original presente na Lei nº 13.254/2016, que criou o primeiro Rerct, foi amplamente aceita na época justamente porque buscava garantir a integridade do regime e proteger a confiança do público no programa, evitando que dinheiro proveniente de possíveis desvios de recursos públicos fossem regularizados em nome próprio ou de parentes.
A exclusão de agentes públicos foi vista como uma forma de assegurar que aqueles responsáveis pela gestão do país não se beneficiassem de um regime de regularização em condições potencialmente questionáveis.
Princípios constitucionais a serem respeitados
A ausência de restrições no novo Rerct levanta um importante debate sobre dois princípios constitucionais fundamentais: o princípio da isonomia tributária e o princípio da moralidade administrativa.
O princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, II da Constituição, veda a discriminação entre contribuintes com base na ocupação profissional ou função. Isso significa que, sob o ponto de vista da isonomia, todos os contribuintes — incluindo agentes públicos — devem ser tratados de forma igualitária.
Nesse sentido, a exclusão de políticos e agentes públicos poderia ser considerada uma violação ao princípio da igualdade, já que impediria que esses indivíduos regularizassem seus bens nas mesmas condições que os demais contribuintes.
Por outro lado, o princípio da moralidade administrativa (artigo 37 da Constituição) exige que os agentes públicos ajam com ética e transparência, o que justificaria a imposição de uma restrição à adesão de políticos e gestores públicos ao Rerct.
A possibilidade de que esses agentes possam utilizar o regime para regularizar bens não declarados, muitas vezes adquiridos durante o exercício de seus mandatos ou cargos, levanta questionamentos sobre a probidade administrativa e pode afetar a confiança no programa.
Essa tensão entre os princípios da isonomia e da moralidade precisa ser equilibrada. O STF não chegou a se pronunciar diretamente sobre a constitucionalidade da vedação a agentes públicos no primeiro Rerct.
Em nosso ponto de vista a restrição sempre foi injustificada, até porque é justamente a adesão de agentes públicos que possibilitará à Receita Federal verificar a compatibilidade entre os rendimentos desses contribuintes e o total de seu patrimônio, atendendo ao princípio da eficiência, igualmente previsto no artigo 37, uma vez que facilitaria e agilizaria o trabalho da fiscalização.
A ampliação do rol de bens regularizáveis nos parece, igualmente, um avanço tendo em vista a evolução do mercado financeiro de capitais verificada nos últimos anos.
Fonte: conjur.com.br