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Grupo econômico entre empresas: legítima segregação de atividades para o Carf

É comum nos depararmos com autuações fiscais que concluem pela formação de grupo econômico de fato entre duas pessoas jurídicas e, por esse motivo, exigem que uma empresa pague pelos débitos tributários de outra. Na verdade, não se trata de mera conclusão: o Fisco acusa as empresas de fraude, sob a premissa de que exercem as mesmas atividades, mas em pessoas jurídicas distintas, com o propósito único de pagar menos tributos.

Os temas planejamento tributário e elisão fiscal são vastíssimos. Não se pretende, neste pequeno artigo, tratar sobre isso. Muito embora o tema certamente volte a ser amplamente discutido quando o STF concluir o julgamento da ADI 2446, que versa sobre a constitucionalidade da “norma antielisão” prevista no artigo 116, parágrafo único, do CTN, o objetivo é uma breve reflexão sobre os motivos objetivos que conduzem o Fisco à conclusão da existência de grupo econômico entre empresas e por que a segregação de atividades entre pessoas jurídicas deve ser analisada adequadamente pela fiscalização tributária.

O conceito de grupo econômico é veiculado na Instrução Normativa RFB nº 971/2009:

“Artigo 494  Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica”.

Para que fique claro: grupos econômicos entre empresas não são errados ou contrários à lei. Apesar dos maus olhos do Fisco quanto ao tema, não há lei em nosso ordenamento jurídico que caracterize como ilegítima ou ilegal a existência de grupos econômicos.

A questão — essa, sim, violadora de regras tributárias — é quando o grupo econômico não preserva a existência autônoma dos contribuintes que lhe compõe, havendo verdadeira confusão patrimonial e jurídica entre eles. A esse grupo econômico que se pode, com razão, atribuir a pecha de grupo econômico de fato, que tem por objetivo único lesar os cofres públicos, atribuindo-se a todos os integrantes do grupo de empresas a responsabilidade tributária, como se um único contribuinte fosse.

Para caracterizar um grupo econômico com o intuito de responsabilizar solidariamente uma empresa pelos débitos da outra, o Fisco tem de apresentar indícios de sua existência. Geralmente, o Fisco traz outros pontos em comum entre as pessoas jurídicas para caracterizar um grupo econômico, tais como a identidade de nomes fantasias, a identidade de endereços, a existência de sócios comuns.

Nenhum desses indícios, em nosso sentir, é suficiente para embasar a existência de grupo econômico. Isso porque não há vedação legal à identidade de endereços, nomes fantasias e até sócios entre pessoas jurídicas, desde que independentes as entidades entre si.

Como bem assentado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), são distintas as “hipóteses de reestruturações societárias reais, cujos efeitos jurídicos devem ser reconhecidos pela administração fiscal, de casos de simulação de reestruturações societárias, praticadas com o dolo da evasão de tributos, inoponíveis ao fisco e sujeitos à multa qualificada” (Acórdão 9101-002.397, 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, Rel. Luís Flávio Neto, 14/07/2016).

Isso porque, desde que não simulada, a segregação das fontes produtoras de rendimentos, com ou sem a intenção principal de redução da carga tributária, não é vedada pelo sistema jurídico brasileiro[1]. Ainda segundo o Carf, “não há permissão, abstraída diretamente do Texto Constitucional, para que a administração fiscal atue como se possuísse ingerência na condução das atividades econômica empreendidas, substituindo as decisões do indivíduo, para fins tributários, por outras que lhe pareçam arbitrariamente mais adequadas, com discricionário incremento do ônus tributário”.

O contribuinte tem o direito de estruturar e reestruturar a exploração do seu capital da forma mais eficiente, inclusive sob a perspectiva fiscal, não havendo lei ou regra jurídica que o obrigue a concentrar, em uma única pessoa jurídica, todo o seu patrimônio ou energia.

Se há efetiva efetiva segregação das fontes produtoras de rendimentos, e não uma simulação que deve ser devidamente comprovada, as pessoas jurídicas devem ser consideradas em sua devida autonomia, seja por seus sócios, clientes, fornecedores e também e principalmente pelo Fisco.

E como verificar se duas ou mais pessoas jurídicas são realmente independentes entre si, e não apenas empresas segregadas de maneira simulada e fraudulenta? Há fatores estruturais que permitem tal identificação, muito mais críveis e precisos que um mero compartilhamento de nome fantasia ou endereço.

São eles: estruturas negocial, financeira-contábil e físico-operacional individualizadas e independentes. Na prática, a existência de ativos e passivos próprios; de quadro de funcionários independentes; de públicos-alvo e mercados específicos são elementos muito mais contundentes da independência ou não das pessoas jurídicas entre si, ainda que tenham sócios em comum.

A estrutura financeira-contábil de cada empresa é um dos fatores estruturais mais relevantes. A confusão patrimonial entre os contribuintes é um indício fortíssimo da formação de grupo econômico. A contabilidade, nesse ponto, é um importante instrumento de prova da formação ou não de um grupo econômico de fato.

Havendo estruturas autônomas entre as pessoas jurídicas formadoras de um grupo econômico, não pode o Fisco acusá-lo de fraudulento ou simulado, e por consequência, cai por terra a pretensão de responsabilizar uma empresa, com estruturas absolutamente independentes, sobre os débitos tributários de outra.

Resumidamente: não há vedação à segregação de atividades produtivas entre pessoas jurídicas, seja qual for o objetivo: incremento da eficiência do negócio ou redução da carga tributária. No entanto, como bem consignado no Acórdão 1302-004.195, da 1ª Seção/3ª Câmara/2ª Turma Ordinária do Carf,

“O limite da referida operação, ínsita à liberdade de organização das empresas, será a veracidade dos fatos. Ou seja, se, de fato, as diversas pessoas jurídicas gozam de plena existência autônoma, não há censura a ser realizada pela autoridade fiscal.
De outra parte, se a segregação se reveste de mera formalidade, desprovida de qualquer materialização fática, tendo como finalidade exclusiva a redução da carga tributária, é lícito ao Fisco tratar todas as pessoas jurídicas como uma única universalidade, tal qual realizado nos presentes autos” (Acórdão 1302-004.195, 1ª Seção/3ª Câmara/2ª Turma Ordinária do CARF, Rel. Paulo Henrique Silva Figueiredo, 11/12/2019) (grifo da autora).

O que não se pode admitir é que empresas, formal e materialmente segregadas — seja qual for o fundamento —, sejam consideradas fraudulentas, pelo simples fato de terem optado por apartar suas atividades produtivas em uma ou mais pessoas jurídicas.

A recente Lei nº 13.874/2019, denominada de Lei da Liberdade Econômica, determina à Administração Pública que se abstenha de restringir a livre iniciativa dos particulares:

“Artigo 4º — É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:
(…)
VII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas”.

Dessa maneira, não havendo provas concretas da confusão ou inexistência de independência dos fatores estruturais entre pessoas jurídicas, não pode prosperar a caracterização de grupo econômico ilegítimo comumente feita pelo Fisco, pois não é lícita a pretensão fiscal de desconsiderar as distintas atividades e respectivas receitas segregadas em diferentes empresas de um mesmo grupo ou não para tributá-las unificadamente.


Fonte: Revista Consultor Juridico.

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