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ITCMD na distribuição desproporcional de lucros ou dividendos.

Regulamentação levanta debates sobre tributação de liberalidades e o impacto em empresas familiares

A aprovação do PLP 108/2024, que regulamenta a reforma tributária e, entre outros pontos, traz regras gerais para o ITCMD, tem provocado certo alvoroço acerca do dispositivo que trata da incidência na distribuição desproporcional de lucros (ou dividendos) lastreados em liberalidade.

Com a popularização e difusão das holdings como instrumento (legítimo) de planejamento sucessório, a concorrência para oferecer modelos com o objetivo quase que exclusivo de encobrir doações e reduzir o ITCMD a pagar tem criado um terreno fértil para deturpação dos institutos de direito societário. Um deles é a distribuição desproporcional de lucros. 

Nas sociedades simples, um escritório de advogados ou arquitetos, por exemplo, é comum que os lucros sejam divididos conforme um critério de atuação dos sócios (clientes captados, ações exitosas etc.).

Na sociedade empresária, no entanto, o Código Civil proíbe a participação no capital social na forma de serviços (art. 1055), ou seja, os lucros remuneram o capital investido enquanto eventual atuação laboral dos sócios deve ser remunerada por pró-labore.

É possível, no entanto, a ocorrência de inúmeras situações que justifiquem a distribuição desproporcional de lucros. Um grande chef, por exemplo, pode exigir receber mais que seu sócio mero investidor ao abrirem um restaurante juntos. Algumas quotas podem não dar direito a voto, ou ter preferências na distribuição de lucros ou na liquidação da sociedade, etc.

Em nenhum desses casos haverá a incidência de ITCMD porque a distribuição desproporcional será feita em amparo a uma razão negocial, de mercado, e não à liberalidade. Liberalidade, aliás, é conceito positivado no Direito pátrio há mais de 100 anos.

O Código Civil, prevê, ainda, que o contrato social deve mencionar a participação de cada sócio nos lucros ou nas perdas (art. 997, inc. VII) e que a distribuição dos lucros pode ser desproporcional (art. 1007). No mundo dos negócios é fácil concluir que ninguém entra em uma sociedade sem saber exatamente quais são os percentuais de lucros a que terá direito.

Ocorre que diversos profissionais têm vendido a ideia de que a livre manipulação dos percentuais de lucros a receber, entre os sócios, estaria autorizada pela legislação, não caracterizando doação.

Assim, por exemplo, um pai empresário que queira doar, digamos, R$ 100 milhões a um filho, ao invés de fazer uma retirada de lucros de R$ 100 milhões e fazer a doação, pagando o ITCMD, poderia, simplesmente, incluir o filho no contrato social com participação ínfima (digamos, 0,001%) e entregar a ele o montante de R$ 100 milhões por mera liberalidade, sem que ocorresse a incidência do ITCMD. 

O fato de a distribuição desproporcional ser autorizada por lei não implica em não ocorrência de fato gerador, afinal, como dispõe o art. 3° do CTN, tributo não é sanção por ato ilícito.

O CTN, ainda, no art. 118, dispõe que a definição de fato gerador deve ser interpretada abstraindo-se a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes.

O artigo 112 do Código Civil, por sua vez, nos diz que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem, ou seja, o nomen iuris não é relevante para a caracterização do contrato, mas sim, a intenção das partes. 

Dessa forma, se a intenção (e o resultado) é praticar uma transmissão a título gratuito, por liberalidade, há tributação pelo ITCMD. Há tributação se se transmite por liberalidade uma conta bancária, um veículo, um imóvel, quotas de uma empresa, ou, ainda, o direito de receber dividendos.

Quando há uma razão negocial a motivar a distribuição desproporcional, os sócios sabem (ou têm meios de saber) quanto, exatamente, lhes pertence. Cada sócio tem o direito de reivindicar o dividendo a que tem direito porque é direito seu. Quando temos a distribuição amparada por mera liberalidade, o beneficiário não tem o direito de reivindicar nada, visto que tal direito não lhe pertence originalmente e só lhe pertencerá se ocorrer uma liberalidade da outra parte, ou seja, doação.

Mister, ainda, informar que para empresas sujeitas à Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), inclusive sociedades limitadas que optam pela regência supletiva desta, ações/quotas de mesma classe não admitem desproporcionalidade (art. 109).

A criação de classes distintas de ações/quotas, que permitiria tal distribuição, é possível mediante uma das justificativas constantes do rol exaustivo do artigo 16, entre os quais não se encontra a liberalidade.

A previsão constante do PLP 108 de tributação de “benefícios desproporcionais praticados por liberalidade” não cria nova possibilidade de incidência, como tem sido propagado, tampouco carrega qualquer tipo de inconstitucionalidade.

O artigo apresenta um rol exemplificativo de situações caracterizáveis como doação, positivando o que já encontra amparo jurisprudencial como, por exemplo, nos processos 1089011-58.2023.8.26.0053 e 1087688-18.2023.8.26.0053, ambos do TJSP.

O texto deixa claro que o objetivo não é cobrar imposto sobre distribuição desproporcional de lucros, mas sobre a cessão de direitos de lucros a receber que é entregue a outro sócio por liberalidade.

Eventual exclusão do texto do PLP, portanto, não terá o condão de imunizar tal doação da incidência tributária, mas será péssimo para os contribuintes, que sem a clareza e transparência do texto legal continuarão a ser induzidos a erro.

A única inconstitucionalidade verificável no texto aprovado é a previsão de redução de alíquota para tal fato gerador, em primeiro lugar porque diferente do que ocorre com o IBS, as normas do PLP, que se referem ao ITCMD, não instituem o imposto.

São, na verdade, normas gerais em matéria tributária e, como tal, não podem dispor sobre alíquotas, matéria reservada à lei do ente tributante. Em segundo lugar, pesa sobre tal dispositivo a inconstitucionalidade por efetivar uma quebra da progressividade, trazida pela EC 132 como princípio de observância obrigatória para o ITCMD. logo-jota

(*) Jefferson Valentin  – Auditor fiscal da Receita Estadual do Estado de São Paulo, formado em letras e ciências contábeis, MBA em gestão pública e mestrando em economia. Membro da comissão técnica da Febrafite, coautor dos livros “Manual do ITCMD” e “Uma lei complementar para o ITCMD” e autor do livro “Holding, estudo sobre a evasão fiscal do ITCMD no planejamento sucessório”

Rodrigo Spada – Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Formado em Engenharia de Produção pela UFSCar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA

https://www.jota.info/artigos/itcmd-na-distribuicao-desproporcional-de-lucros-ou-dividendos-26082024


RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 20952M1/2019, de 16 de maio de 2020.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 01/06/2020

Ementa

ITCMD – Distribuição desproporcional de lucros em relação ao percentual de quotas do capital social da sociedade limitada que cada um dos sócios possui – MODIFICAÇÃO DE RESPOSTA.

I.          O artigo 1.007 do Código Civil possibilita aos sócios definirem outra forma de participação nos resultados da sociedade limitada que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha.

II.         O instituto da distribuição desproporcional de lucros não se confunde com doação, na medida em que não há ânimo de liberalidade na transferência patrimonial. Sendo regular a distribuição desproporcional de lucros, ela estará devidamente justificada em razões de cunho negocial.

III.        A regular distribuição desproporcional de lucros não enseja a incidência do imposto sobre transmissão por doação.

Relato

1.         A presente consulta, formulada por entidade representativa dos contabilistas e empresas contábeis, encontra-se assim estruturada:

“I. Da hipótese.

Associados da consulente, interessados em criar sociedades empresárias limitadas com capital integralizado em proporções diferentes – como, por exemplo, 90% para um sócio e 10% para o outro – inserem no ato constitutivo cláusula específica prevendo que divisão dos lucros será feita desproporcionalmente à participação de cada sócio. Esse acordo intersócios, feito com amparo no artigo 1.007, do Código Civil, prevê de que os cotistas participarão dos lucros e das perdas em partes iguais, tocando 50% para cada um, independentemente da citada proporção no capital social.

II. Da dúvida que enseja a consulta.

As dúvidas que animam esta entidade a se dirigir a essa D. Consultoria para que seus associados possam interpretar e cumprir a legislação tributária corretamente são as seguintes:

(i) diante da prévia estipulação em cláusula contratual permitindo distribuição desproporcional dos lucros, com precisa indicação de que o sócio minoritário, titular de 10% do capital, receberá 50% dos lucros, haveria incidência de ITCMD, sobre essa diferença, a cada distribuição?

(ii) se o contrato social fizer a previsão da distribuição desproporcional dos lucros, mas relegar para futura deliberação dos sócios a definição do percentual que caberá a cada um, haveria incidência de ITCMD sobre a diferença entre o percentual da participação nas cotas e o percentual dos lucros recebidos a cada distribuição?

III. Consulta.

O Consulente requer sejam examinadas as hipóteses acima suscitadas, com esclarecimentos adicionais que, a critério dessa Consultoria, possam ser expostos para correta interpretação da legislação tributária. A dúvida, como visto, é fundada especialmente diante do artigo 3°, da Lei Estadual 10.705/2000, que assim dispõe:

‘Artigo 3º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

I – qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza’.

A distribuição desproporcional cogitada nas duas hipóteses acima descritas estaria compreendida na previsão do artigo 3° mencionado?”

Interpretação

2.         De início, convém delimitar o campo de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD):

2.1.     A Lei 10.705/2000, que instituiu o ITCMD, em conformidade com o disposto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, ao se referir às transmissões inter vivos, dispõe que o imposto incide sobre aquelas decorrentes de doação de quaisquer bens e direitos.

2.2.     Assim sendo, a sujeição ao ITCMD, no caso em análise, dependerá, necessariamente, da possibilidade de estar caracterizada a hipótese de doação.

3.         A doação, vocábulo que se deriva dos termos latinos donatio e donare que significa “dar”, “brindar” ou “presentear”, é um ato de liberalidade pelo qual o doador transfere algo de seu patrimônio, subtraindo-o, em favor do donatário que, consequentemente, tem seu patrimônio aumentado (artigo 538 do Código Civil).

3.1.     De acordo com Silvio de Salvo Venosa “no contrato de doação, destacam-se claramente dois elementos constitutivos: objetivo e subjetivo. Elemento subjetivo é a manifestação de vontade de efetuar liberalidade, o animus donandi. Elemento objetivo é a diminuição de patrimônio do doador que se agrega ao ânimo de doar” (in Direito Civil – 4ª ed. – São Paulo: Atlas, 2004. – página 117).

3.2.     No mesmo sentido, Maria Helena Diniz esclarece que é elemento fundamental que caracteriza a doação “o ânimo do doador de fazer uma liberalidade (animus donandi), proporcionando ao donatário certa vantagem à custa do seu patrimônio. O ato do doador deverá revestir-se de espontaneidade” (in Curso de Direito Civil Brasileiro – 19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003 – páginas 221 e 222).

4.         Por outro lado, assim estabelecem os artigos 981, 1.007 e 1.008 do Código Civil, que tratam da sociedade empresária de responsabilidade limitada:

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”

“Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”

“Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.”

“Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.

(…)”

4.1.     Como se pode ver, o artigo 981 determina tanto a obrigação dos sócios em contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica de sua empresa como a partilha, entre eles, dos resultados por ela apresentados; sendo nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas (artigo 1.008).

4.2.     Já o artigo 1.007 firma, como regra geral, que a participação dos sócios nos resultados da empresa será proporcional ao percentual de quotas do capital social que cada um deles possua. No entanto, por meio da frase inicial “salvo estipulação em contrário”, esse dispositivo permite a distribuição desproporcional dos resultados da empresa, uma vez que possibilita aos sócios definirem outra forma de participação que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha.

4.3.     Sobre a questão, Fábio Ulhoa Coelho (in Curso de Direito Comercial. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.29) manifestou-se da seguinte forma:

“A nulidade existe na exclusão de sócio dos lucros da sociedade mas não na participação desproporcionada. Assim, em qualquer limitada pode-se licitamente contratar a incorrespondência entre os percentuais referentes à participação no capital social e nos lucros. Os sócios podem convencionar, por exemplo, que os lucros serão distribuídos de acordo com a receita proporcionada pelos negócios viabilizados por cada um independentemente da contribuição para o capital social. Essa desproporção é incomum no comércio em geral, mas frequente no setor de prestação de serviços profissionais.”

5.         Percebe-se, portanto, que a doação e a distribuição desproporcional de lucros são institutos de Direito Privado que não se confundem. Com efeito, enquanto a doação trata de transferência patrimonial por liberalidade, a distribuição de lucros se insere em um âmbito negocial, na relação entre sócios e sociedade, e eventual desproporcionalidade na distribuição de lucros também tem razão de ser, não no animus donandi, como acontece na doação, mas sim em um contexto negocial, a exemplo da distribuição por negócios prospectados por cada sócio.

6.         Sendo assim, o instituto da distribuição desproporcional de lucros de sociedades limitadas (reguladas pelo Código Civil, sem que tenham estipulado em contrato social a regência supletiva das normas da sociedade anônima, nos termos do parágrafo único do artigo 1.053), conforme previsão no artigo 1.007 do Código Civil, ao se inserir em um contexto empresarial, não reveste necessariamente a característica de liberalidade, motivo pelo qual, sendo usado de modo lícito, e com o devido propósito negocial, não se confunde com doação e, dessa feita, não há que se falar em incidência de ITCMD na regular distribuição desproporcional de lucros – seja tal distribuição definida em acordo prévio, anterior às distribuições futuras e devidamente registrada em contrato social, seja a definição dos percentuais realizada antes de cada distribuição de lucros, com previsão no contrato social.

7.         Ainda, cumpre registrar que a legislação civil não trouxe regras formais acerca do momento de deliberação acerca da distribuição desproporcional de lucros das sociedade limitadas, e não serão as normas tributárias que irão dispor sobre. Além disso, o momento da deliberação não guarda necessária relação sobre a liberalidade do ato. E, uma vez existindo liberalidade, distribuição desproporcional de lucros, propriamente dita, não será.

8.         Ou seja, não sendo a liberalidade característica própria do instituto de distribuição desproporcional de lucros, se, na análise do caso concreto, ela ficar evidenciada, isso é, havendo o animus donandi na transferência patrimonial, não se tratará, então, de distribuição desproporcional de lucros, independentemente das formalidades estabelecidas entre as partes. Nesse contexto, reitera-se que compete ao fisco desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária (parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional).

9.         A presente resposta substitui a anterior, Protocolo CT nº 398/2012, produzindo efeitos na forma prevista no parágrafo único do artigo 521 do RICMS/2000.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/RC20952M1_2019.aspx

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