A edição do Decreto-Lei 2.318/1986 afastou o teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo não apenas das contribuições previdenciárias, mas também das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S.
Voto da ministra Regina Helena Costa propôs mudança de posição do STJ sobre o tema, com modulação temporal dos efeitos.
Essa conclusão foi apresentada nesta quarta-feira (25/10) pela ministra Regina Helena Costa, relatora de recursos julgados sob o rito dos repetitivos pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Apenas ela votou.
O resultado foi adiado por pedido de vista do ministro Mauro Campbell Marques.
A posição da ministra representa uma mudança de jurisprudência da corte sobre o tema.
O STJ tem apenas dois precedentes sobre o assunto: um de 2008, que embasou decisões monocráticas ao longo da década seguinte, e outro de fevereiro de 2020. Em ambos, o tribunal acolheu a tese das empresas contribuintes.
O que está em julgamento?
O caso trata da imposição de contribuições compulsórias aos empregadores. A evolução legislativa ajuda a explicar o problema. A contribuição previdenciária foi criada pela Lei 6.332/1976 e teve a base de cálculo limitada posteriormente, pela Lei 6.950/1981.
Essa limitação foi feita no caput (cabeça) do artigo 4º da lei, que restringiu o salário de contribuição (base de cálculo) ao valor correspondente a 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Já o parágrafo único acrescentou que o mesmo limite se refere às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros. Elas se destinam às instituições do Sistema S — Sesc, Sebrae, Sesi, Senai e outras.
Mais tarde, o Decreto-Lei 2.318/1986, ao tratar especificamente das contribuições previdenciárias, revogou o teto de 20 salários mímimos para a base de cálculo.
Restou, então, a seguinte dúvida: o parágrafo 1º, que estendia o teto dos 20 salários mínimos às contribuições parafiscais, pode subsistir se a cabeça do artigo foi revogada? Para a Fazenda, não. Isso permitiria aumentar a base de cálculo das contribuições. Para os contribuintes, sim.
Julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Mauro Campbell Marques
Novo caminho
Até o momento, todas as decisões do STJ deram razão ao contribuinte.
A ministra Regina Helena Costa propôs uma mudança por entender que seria de lógica duvidosa manter o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/1981. Para ela, a norma tem aspecto de acessório em relação à cabeça do artigo.
“Não é legitimo ter por revogado o dispositivo para uma finalidade e não para outra, considerando suas vinculações e, sobretudo, porque ambos se ancoram na regra matriz do caput: o limitador dos 20 salários mínimos”, explicou ela em longo voto lido nesta quarta-feira.
Em sua análise, sob a ótica da evolução das normas, a finalidade do Decreto-Lei 2.318/1986 foi extinguir o teto de 20 salários mínimos para ambas as contribuições, para as quais se buscou uma equivalência.
Assim, a ministra propôs duas teses:
“A norma contida no parágrafo único do artigo 4 da Lei 6.950/1981 limitava o recolhimento das contribuições parafiscais cuja base de cálculo fosse o salário de contribuição”;
“Os artigos 1º e 3º do Decreto-Lei 2.318/1986, ao revogarem o caput e o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/1981, extinguiram, independentemente da base de cálculo eleita, o limite máximo para o recolhimento das contribuições previdenciárias e parafiscais devidas ao Senai, Sesi, Sesc e Senac”.
Modulação
A relatora ainda propôs a modulação dos efeitos da tese — ou seja, a limitação temporal de sua aplicação. Isso para evitar que as empresas beneficiadas pela posição anteriormente admitida pelo STJ sejam surpreendidas e prejudicadas pela nova orientação.
A proposta é modular os efeitos para as empresas que ingressaram com ação ou pedido administrativo relativo ao tema até a data do início do julgamento, obtendo pronunciamento judicial ou administrativo favorável, restringindo-se a limitação da base de cálculo até a publicação do acórdão.
Impacto
O julgamento do caso contou com 11 advogados inscritos e nove sustentações orais. Para além de questões sobre técnica legislativa e jurídica, as manifestações buscaram apontar o enorme impacto que a tese terá não apenas no Sistema S, mas também na sociedade como um todo.
O colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico Fernando Facury Scaff, que defendeu a Cigel Distribuidora de Cosméticos, uma das empresas que recorreram ao STJ, sustentou que o custeio do Sistema S é importante, mas que retirar a limitação à base de cálculo não vai levá-lo à falência.
Ele acrescentou que o impacto para as empresas é calculado em 6% da folha de pagamento. “O Sistema S é importante, mas ele tem como se financiar de outras formas. Aumentar a empregabilidade é importantíssima. E fazer isso desonerando a folha de forma amparada também deve ser considerado.”
Ricardo Oliveira Godoi, da Confederação Nacional de Serviços (CSN), definiu a mudança de precedente como uma catástrofe para as empresas que não provisionaram valores com esse fim. “Se o problema é a revogação do teto, isso pode ser feito pelo presidente, por meio de medida provisória, ou pelo Congresso, por meio de lei.”
Bruno Mirat do Pillar, que falou por Senac e Sesc, afirmou que o custeio dessas entidades escapa de 98% das empresas, que são isentas por se sujeitarem ao regime do Simples. Apenas os grandes conglomerados sustentam essa rede de proteção social criada em 1946, segundo ele, que acrescentou que a tese do contribuinte cortaria 90% das receitas auferidas pelas entidades.
O procurador da Fazenda Leonardo Quintas Furtado chamou a atenção para o fato de que a tese da não revogação do teto de 20 salários mínimos para as contribuições parafiscais acabou ressuscitada de maneira indevida muitos anos após a lei de 1986. E apontou que o precedente do STJ de 2020 levou ao ajuizamento de mais de 25 mil ações.
Esse alcance foi realçado em outras manifestações. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que representou o Senai, ressaltou que o objetivo do legislador foi suprimir o limite de 20 salários mínimos. “Manter esse teto seria tratar igualmente os desiguais. As grandes empresas pagariam a mesma contribuição que as demais.”
José Eduardo Cardozo, que defendeu o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e o Serviço Social do Transporte (Sest), disse que a posição defendida pelo contribuinte geraria situação perversa. “Um Robin Hood às avessas, em que os pobres pagam mais e os ricos, menos. E a sociedade será atingida por não ter acesso aos serviços do Sistema S.”
E Roque Antônio Carrazza, pelo Sebrae, afirmou que manter o teto dos 20 salários mínimos afrontaria os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e proporcionalidade. “Não é jurídico que microempresas e as de pequeno porte recolham as mesmas contribuições ao Sistema S do que grandes empresas.”
REsp 1.898.532
REsp 1.905.870
Fonte: conjur.com.br