Os dias que antecedem as provas escolares são os únicos em que os gêmeos Benjamim e Enzo, 12 anos, de Apucarana (PR), não tocam no celular. Foi a maneira que a advogada Franciele Gonçalves encontrou para driblar a desatenção dos filhos.
Já os paulistanos Otávio e Davi, de 13 e 11 anos, não se concentram nem para ver séries ou ir ao cinema.
Julia Correa, mãe da dupla, diz que nem para vídeos curtos do TikTok os dois têm paciência. Ficam arrastando a tela para cima indefinidamente. “No dia a dia, a concentração deles não existe, porque o negócio é ver vídeo no TikTok, no YouTube.
É uma briga diária! Você passa uma tarefa, não respondem e, depois de cinco minutos, perguntam: ‘O que você falou mesmo?'”, conta Franciele.
É espiar ao redor e ver que esse comportamento é comum. Pais de crianças e adolescentes se queixam da falta de atenção e foco dos filhos, que não conseguem se concentrar para cumprir atividades triviais, como a lição de casa.
O problema também atinge os adultos, e a causa está no efeito que o conteúdo rápido escolhido por algoritmos poderosos tem no nosso cérebro.
Se você já se viu rolando infinitamente o feed de alguma rede social, saiba que caiu no “loop da dopamina”, neurotransmissor associado à sensação de bem-estar. Pesquisas recentes mostram que esse banho de dopamina afeta o funcionamento do cérebro, sendo especialmente prejudicial para crianças e adolescentes.
Viciados no prazer instantâneo dos vídeos curtos, eles não conseguem manter o foco e se aborrecem com rapidez. O jornal The Wall Street Journal cunhou o termo “cérebro de TikTok” para descrever o “fenômeno”.
A gratificação instantânea libera dopamina, neurotransmissor ligado às sensações de prazer e de reforço – o mesmo químico liberado com o uso de drogas. É um mecanismo que realmente vicia. John S. Hutton, pediatra do Cincinnati Children’s Hospital Division, diretor do Reading and Literacy Discovery Center (EUA) e pesquisador da relação entre mídia digital e o desenvolvimento inicial do cérebro
Gratificação instantânea e descontrole
Um estudo de agosto de 2021 da Universidade de Zhejiang, na China, comparou como o cérebro reage a vídeos sugeridos pelo algoritmo com base no que a pessoa gosta e a vídeos aleatórios do Douyin (versão local do TikTok).
A conclusão assusta: a pesquisa sugere que o algoritmo é capaz de descobrir conteúdos que atingem um conjunto de sub-regiões cerebrais ligadas a empatia, autoconhecimento e realização de tarefas para reforçar o comportamento de assistir a vídeos.
Isso pode ser um dos mecanismos neurais relacionados ao uso abusivo da rede social.
Fonte: uol.com.br